quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O cruzeiro do sul XI - Constelações, arquipélagos e nuvens. - Parte II

Tudo bem estar longe de casa mais de mil quilômetros, tudo bem andar acompanhado de quatro outras perdidas, tudo bem estar com fome e andar sem rumo à noite até decidir o que fazer, mas não precisava chover. Arranjamos uma marquise pra se abrigar e descansar um pouco, deitei e peguei no sono quase instantaneamente. Acordei com ela dizendo: "Gauchinho... tem uns caras ali do outro lado numa van, eles vão pra Aracajú". Ela disse que ia com eles. Não gostei nada daquilo. Fiz aquela carinha de cachorro abandonado e disse que tudo bem. Olhei como se pela última vez na carinha dela e dei-lhe mais um beijo como de despedida. Nisso, duas outras já iam em direção à van, quando depois do beijo ela e a de dezessete, que esperava também se despedir, se olharam e como se combinassem disseram ao mesmo tempo: "Acho que não vou".  Eu tinha que pensar no que fazer à horas, achei que acordaria com uma boa idéia, mas não foi isso. Enfim, a melhor idéia depois de fazer elas todas desistirem de me abandonar, foi continuar a caminhar. Não foi minha essa idéia. Eu não queria nem um pouco andar na chuva, em Feira de Santana, uma cidade que eu não sabia nem qual o seu real tamanho ou que tipo de gente morava lá. Mas não adiantava, fazer elas desistirem foi o ponto máximo da minha importância, agora eu tinha que também dar o braço a torcer. Caminhamos em direção ao sul. Depois de uns dois quilômetros ainda dentro dos limites da cidade, enfim um caminhoneiro confiou e parou. No escuro, sem saber ao certo quantos éramos. É claro que ele não pensou muito. Mulher pedindo carona, ainda mais quatro, decerto achou que uma sobraria pra ele. Eu não seria um cheique pobre. Paramos no primeiro posto ainda dentro dos limites da cidade. No bar do posto, uns quatro ou cinco baianos, perderam a fala ao ver aquela penca de garotas descendo da cabine do caminhão. Um correu no balcão e voltou com duas garrafas de cerveja, outro buscou três fichas de sinuca e outro botou pra tocar um Calcinha Preta Volume sete, que na época era lançamento e fazia o maior sucesso no norte do país. O baile estava pronto. A poeira levantou e eu aproveitei pra trocar uma idéia com a minha Maria Bonita. Na hora meter a idéia, o Joel abre a porta da cabine. "Opaaaa. Desculpe aí". A terceira vez que me escapava da idéia. Antes do caminhoneiro, quem estragou o barato foi a mais nova duas vezes. Elas eram tão sem base que a cada vinte minutos mudavam de plano. No fim nem comi a abençoada. O dia amanheceu e o plano em evidência era todo mundo ir pra Brasília. O Joel também era do Rio Grande Do Sul e morava em Brasília. A casa dele ficava no Gama e a minha, até antes de rodar, em Taguatinga. Por um momento não vi mais nenhuma delas. Apareceram. A minha e a peste mais nova decidiram pegar carona com um caminhoneiro com destino a Porto Alegre onde a mais nova tinha alguns parentes e amigos. Fiz a minha parte, protegi enquanto pude, agora era com elas. Todos os olhos, os meus dois e os dois do Joel, se voltaram as duas que sobraram. Eu parti pra de dezessete e o Joel se engatou na moreninha de quinze. Fomos a procura de carga pro caminhão que estava com o baú vazio, fomos até um posto lá dentro de Feira. Nada de carga, a noite chegou e a situação não mudava. Eu e o Joel só tinha um pensamento, comer elas. Durante a noite a de quinze dormiu na cabine com o Joel e eu e a outra no baú. Chega de detalhes, no outro dia de manhã o Joel abriu o último saco de arroz, depois do almoço as meninas passaram batom e saíram. Foram de caminhão em caminhão. Eu de barriga cheia já queria mais é que elas sumissem mesmo. Por fim não voltaram. Se olhamos os dois e desisitimos de ficar ali esperando carga. Lá estávamos nós dois em direção à oeste. A Chapada da Diamantina fez tudo ficar mais leve. Eu revezava em estar ali dentro do caminhão conversando e em estar voando por meio as nuvens que cobriam o teto da chapada. Lençóis nos esperava para o pouso da noite. Enfim uma cama, um chuveiro, uma janta e um boa noite encerrou aquele dia. Tudo no interior da Bahia é baratinho, baratinho mesmo, depois dessa parada, a seguinte foi já próximo Bom Jesus da Lapa. Paramos numa casinha bem pequena feita de alvenaria. Era uma casinha bem humilde mesmo, em um arraial no meio do nada, nela morava uma senhora que servia almoço pra viajantes. Num instante as crianças que também moravam nas poucas casas que tinham por ali, foram chegando, espiando pela janela, falando baixinho uns com os outros e rindo de alguma coisa. Aos poucos foram se adentrando, um foi se chegando encostadinho na parede. Um deles correu de volta pra casa e voltou com a metade de um bolo de fubá. "Minha mãe que fez, ela disse que vocês podem dormir lá essa noite, tem espaço". Que querido, claro que a gente estava de passagem, era ainda duas horas da tarde, e pretendíamos aquela noite já estar em território calango. O que não aconteceu. Quando a gente chegou em Correntina escureceu. Paramos numa lanchonete onde o Joel ouviu uma piadinha de gaúcho que o deixou enfurecido. Quis ir embora. Disse que a outra opção era ir até o caminhão buscar o revólver e enfiar na boca do comediante. Na saída da cidade o caminhão quebrou. Agora já era o quinto dia que estávamos em Correntina e foi muito bom ter ficado ancorado quase uma semana lá. No segundo dia já éramos conhecidos na cidade interia. No terceiro arranjamos umas pervertidas pra trocar o óleo, no quarto torramos o dia inteiro na beira do Rio das Éguas que corta a cidade e faz dela um dos balneários mais visitados do interior do estado. O socorro do Joel veio só no final do quinto dia. O caminhão ainda estava lá parado na margem da rodovia esperando a peça que vinha de Brasília. Já era noite quando finalmente ele foi consertado. Seguiríamos no outro dia de manhã assim que o sol surgisse. Eu olhei pra imensidão do céu e pensei: " Se eu um dia contar isso pra alguém, vou ficar parecendo um mentiroso". Aquele ar seco indicava, estávamos chegando. O Almerindo iria fazer aquele discurso. Como vou explicar que voltava sem o Jucelino? Taguatinga QNM norte Conjunto trinta e oito. Em frente aquela casa palco de tantos arrasta-pés eu pensei que a verdade sempre é a melhor versão. Iria contar que Jucelino e eu nos separamos e ele se perdeu. Não fazi a mínima onde ele estava. Pra minha surpresa ouvi no abrir a porta da frente: "Gaúcho, seu corno"! Jucelino estava ali de volta. Explicou que quando eu estive em Barreiras procurando ele aquela noite, ele estava na rodoviária que ficava em frente ao primeiro posto. Como eu havia dito que talvez não chegaria aquele dia, ele abandonou o posto e foi pra rodoviária dormir. Almerindo aceitou de volta os aventureiros do sertão, como ficamos conhecidos ou apelidados depois daquele dia. Enfim, querem saber se me arrependo de alguma coisa nessa aventura? Me arrependo sim, me arrependo muito de não ter aceitado aquele bolo de fubá! Eu amo bolo de fubá!

O cruzeiro do sul XI - Constelações, arquipélagos e nuvens. - Parte II

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