domingo, 20 de setembro de 2015

O cruzeiro do sul IV - Novos mapas e conquistas.

Quatro horas parado em plena Dutra, pouco antes do Rio de Janeiro. Acidentes eram constantes ali naquele trecho. Passou um guincho puxando o que sobrou da F1000. Bateu de frente com uma carreta cheia de cimento. Era um grupo sentado no asfalto da rodovia, um advogado do Rio conta uma piada sem muito sussesso a respeito de gaúchos. Os dois caminhoneiros, José e Gustavo, revidam com piadas de cariocas. Eu deitado com as costas no asfalto olho pro céu. Porque quando me pegava olhando pro céu, instintivamente olhava em direção a estrela que aponta o sul no Cruzeiro do Sul? Alfa, a Estrela de Magalhães é seu nome. Aquela música "Terra" do Caetano não me deixava em paz, eu era o viajante daquela música? Mais pra errante navegante, ri sozinho e ninguém entendeu. No meio da piada. O José dizia, pra que quando chegasse no Rio, voltasse com o Gustavo. Ele ia só até a próxima cidade e voltava. "Conhece lá, enquanto o Gustavo descarrega dá uma passeada por ali mesmo perto do Ceasa." Mas bem capaz que depois de chegar lá eu ia voltar assim do nada. "Conhecesse o Rio? Sim, o pátio do Ceasa é lindo!" Não exteriorizei, apenas disse que eu tinha indicações pra conseguir trabalhar em Cabo Frio. Depois do Ceasa o Gustavo pegaria uma carga na Ilha do Governador.
Quando eu olhei da Ilha em direção a cidade com um sol reluzente por cima de seus montes e morros eu entendi o porquê "Babilônia Maravilhosa". Aquilo era incomum. Chegava o cara ter que dar aquele suspiro pra sentir conscientemente a vibração. Dois dias na boléia de um caminhão é coisa de atleta. Caminhoneiro devia ganhar uma nota mesmo. Após a saída da ilha o caminhoneiro voltava pra Santa Catarina. Desci na avenida Brasil. Se desse tempo de você entrar enquanto, e se, alguém descesse de um daqueles ônibus, era porque você encontrou um portal. Não vi um passar a menos de uns noventa quilômetros por hora. "Êta cidade ligêra!" Voei no primeiro que parou. "Todos vão pra rodoviária, sem erro, pode pegar qualquer um." De uma outra vez anterior a essa que estive no estado do Rio, passei uns dias também aventurando na região dos lagos. Conheci a Cátia e a Talita a filha dela. Elas eram do Rio. Elas me convidaram pra sair do miserável acampamento que eu estava em São Pedro da Aldeia e ir pousar no apartamento de verão delas em Cabo Frio. Elas me apresentaram o Arraial do cabo. Um sonho de lugar. Nada melhor que um pouco de conhecimento e dicas de bons contatos. Passei no apartamento delas no Rio para um café antes de seguir pra região dos lagos. Eu disse pra Cátia que ia até o mercado buscar um lanche pra viagem, mas na verdade fui descolar um beck. Entrei numa quebrada tipo de árvores cobrindo parte da rua. Igual na Redenção em Porto Alegre. No fim dela num morro de quase quarenta e cinco graus em direção ao céu, um magrinho que andava de um lado pro outro me estranhou. "Era só um discman escondido por baixo da blusa", pensei mais tarde, como se se pudesse explicar. Por via das dúvidas ele jogou um fumo de longe que caiu perto de mim. Tipo uns cinco contos que era de fumar uns três dias. Eu olhei aquilo, ele disse, "e te some." Preferiu me dar o fumo pra me ver longe dali. Achei um bom plano. Conforme a dica da Cátia, dessa vez abortei o ônibus. Próximo à rodoviária ficavam as vans que fazem o trajeto Rio x Cabo Frio, além de ser mais rápido era um pouco mais barato.
É uma bela queda, mas um pensamento pouco infundado o meu. Porquê só a van em que eu estava iria cair lá de cima? Muito bonito, minha mãe no sofá da sala e eu na tevê sendo anunciado que morri num acidente com a van. "... de Porto Alegre que estava em uma van que caiu de cima da ponte Rio x Niterói". Só de eu escrever isso aqui minha mãe morreu de novo. Bota fumo forte. Eu só tive sossego e saí dessa viagem quando meu olho notou o já escuro da noite que se aproximava e as luzes da cidade iluminando o Rio  inteiro. Você já viu isso? Tem um aeroporto ali. Suas luzes coloridas, simétricas e reluzentes orientam um lindo avião que vem pousar bem ali na minha frente. Aquilo estava mesmo acontecendo. Me pego rindo de mim mesmo e noto as pessoas ao meu lado, todas maravilhadas também com aquilo. "Tú é da onde?" Puts, claro que eu era gaúcho e pra meu espanto era o único "turista" ali. Eles passavam ali todos os dias, mas isso não conseguia sequer tirar o brilho daquele espetáculo que brindava as pessoas ao final do dia como se compensasse todo aquele mal do dia a dia.
Como o fim da linha era do lado de lá da ponte de Cabo Frio, eu seria o último a descer, quando me vi sozinho no último banco, deitei. A pochete atrapalhando eu deixei de lado porque incomodou. Quando o motorista notou no retrovisor que só restava eu, puxou assunto. Pra entender, cheguei mais perto. Como o fumo era bom, desci e esqueci a pochete. Pode me perguntar qualquer nome de qualquer rua de Cabo Frio. Fui uma por uma procurando uma van na garagem. O Daniel se despede, Araketu já ia entrar no palco, a praia lotada e eu ali, morto de raiva de mim mesmo. O discman era garantia, o tio espírita do camping me disse que a vida consistia em mérito, se eu merecesse a encontraria. Fui para a Coopervan assim que o dia amanheceu. Ainda bem que a tia do roupão, pantufas e croques tinha me avisado a respeito da tal cooperativa. O cara lá tinha um jeito de delegado. "Então gaúcho... olha eu liguei pra ele, e a van já estava indo pro Rio mas quebrou, tá lá na oficina, na saída de Cabo Frio, ele tá com suas coisas." Claro que eu esperava, esperava ele consertar vinte vans. Pensei no fumo que fez uma falta após o tipo delegado ter pago um almoço na pousada ao lado da cooperativa. Passei o dia ali tomando um chá de banco. Ele ja ta vindo! Fica como tema de casa, lembrar de pegar as coisas antes de sair. Por fim o tipo delegado me levou até a oficina. Agradeci a carona e me despedi do cara da van. Enfim iria começar meu verão. O sol se pondo, o dia acabando, o dinheiro também, eu com fome, ainda sem emprego e a diária do camping vencendo. Como bom estar de volta à normalidade.

O cruzeiro do sul IV - Novos mapas e conquistas.

Um comentário:

  1. Recortara realidade e ao mesmo tempo colocar um toque ficcional, seja ou não, é uma tarefa complicada, parabéns, e não para de escrever cara.

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