domingo, 27 de setembro de 2015

O cruzeiro do sul XI - Constelações, arquipélagos e nuvens.

Era legal demais morar em Brasília, no fim de semana a gente sempre inventava uma moda, ainda mais depois que chegou três vendedores novos, o Inerivan, e os outros dois que tinham nomes normais que eu não lembro. Um era cantor e o outro tecladista. Eu tinha uma caixa Frahm amplificada com microfone e mais a viola com captador. O forró pegava com gosto e sem intervalo. Era massa, eu pegava uma moreninha magrinha lá do Pedregal, linda que só vendo, ela tinha um namorado de uns dois metros de altura. A mão do cara era uma raquete de frescobol. Ela era espertinha, depois que me seduziu contou que tinha namorado. Ela tinha uma amiga baixinha com o cabelo pra baixo da bunda. Apresentamos essa amiga dela pro Jucelino e logo ela estava ficando com ele. Sexta, sábado e domingo era arrasta-pé do começo ao fim. No entanto, tirando isso, o resto era duro de aguentar. Já se viu trabalhar e não ver nunca a cor do din? Ficava em conta de aluguel, comida, um vale pingado aqui, outro ali. Só quebrada cruel, sol na pinha e dê-lhe perna. Eu e o Jucelino decidimos pegar o pouco dinheiro que a gente tinha, comprar tudo em itens de verão e ir pra Recife passar a temporada. Compramos umas cinquenta camisetinhas para mulher, uns topi e outras encrenca lá que a gente não sabia nem o que era. "Mulher compra qualquer coisa, na praia ainda...", " oche... e com o dinheiro do corno ainda hein gaúcho, hahaha". A empolgação era grande e se a gente não vendesse nada... bom, se a gente não vendesse nada, daí não sei mesmo. A gente não pensava nisso. Pensava em ir e em tudo dar certo. Dois sagitarianos, quatro bolsas com pertences dos dois e os objetos de venda, tudo junto misturado. Almerindo ria, deixou a gente na divisa norte de Formosa ainda no estado de Goiás. "Quero só ver hein Jucelino, vai na conversa desse gaúcho doido aí vai." Deixa estar, pensei. Era tudo questão de por em prática. Sempre foi. Sempre fui assim. Quer algo? Não espere. Faça você mesmo. O dia se despede com nossos passos ainda no trecho.
Outro dia, e enfim, Alvorada do Norte. Estou sozinho, ali era a divisa, dali pra lá era território inexplorado para mim, Jucelino já era da Bahia. Afinal, onde estaria ele agora? Na noite anterior foi difícil dormir. Pior foi aguentar ele reclamar desde a hora que desceu do carro do Almerindo. Quase mandei ele de volta pra Brasília. Faziam umas quatro horas que depois de umas duas caminhando um opala parou. Ia pra Barreiras, mas conforme eu e o Jucelino combinamos depois de muito tentar pegar carona juntos, um iria na frente mais ou menos um quilômetro. Se o de trás conseguisse carona, explicava que tinha outro mais a frente e que precisaria de carona para os dois, se não fosse possível, como foi no caso, pediria que o mesmo então desse preferência ao mais da frente por ser menos experiente e estar mais cansado, nesse caso o Jucelino. Tipo, eu me virava. Humpf sei. Que arrependimento, eu em frente ao último posto e o Jucelino nada de ligar. O cara que me deu carona depois de eu já ter caminhado alguns quilômetros com chuva e tudo, acabou de abastecer e fazer a troca do óleo. Fez o retorno, buzinou pra mim, acenou e se foi de volta em direção ao sul. Gente boa que só vendo. Era adventista da igreja do sétimo dia e tal. Não tentou me converter, e na verdade nem tocou muito no assunto. Falou mais de vendas que era a área de trabalho dele. Disse que estava numa boa fase. Pensei que se ele tivesse na pior iria querer me converter. O telefone tocou, o Jucelino disse que o cara que deu carona deixou ele em Barreiras, no primeiro posto da cidade. Eu disse que era pra ele ficar lá e esperar. Não sabia se conseguiria chegar lá ainda naquele dia, pois já era o fim da tarde. Nisso vinha um ônibus. Desliguei rápido o celular, mas onde se viu pedir carona pra ônibus? Mas já que era de turismo, fiz sinal. Parou. Na cabine o motorista e o motorista reserva me contaram que voltavam de Goiânia depois de terem levado um pessoal para ficar lá um mês. Iam pra Maceió, perfeito, em Recife eu fico, adentrei e sentei no primeiro banco atrás do motorista, mas tinha só um porém. O Jucelino estava em Barreiras e se eles fossem pela estrada que pega a direita antes de Barreiras pra ter acesso ao litoral? Precisava perguntar a eles, afinal eu não disse que ia até Barreiras. Antes de me levantar e ir na cabine falar com eles ouvi uns risos, tipo de meninas. Olhei em direção ao fundo do ônibus e vi um rosto espiando por entre os últimos bancos. Dois. Ops, três? Quatro. Sim, quatro eu disse quatro meninas no fundo do ônibus. Achei que rezar era um tipo de atividade que não me servia mais, pois minhas preces tinham sido atendidas.
Uma tinha catorze anos, outra quinze, outra dezesseis e a mais velha dezessete. É, sorte mesmo deu pra ver que não era. Tinha muito mais cara de encrenca que de sorte. Mesmo assim, como não encontrei o Jucelino no primeiro posto, decidi seguir com eles até o posto seguinte com a esperança do Jucelino não ter ficado no primeiro porque não ficava dentro da cidade e sim um quilômetro antes. Enfim, não encontrei ele em nenhum, os cara além de ter que mudar o curso da viagem deles ainda foram em outros três ou quatro postos pra que eu procurasse ele e naquelas de ficar sozinho a noite em Barreiras sem idéia nem dinheiro e seguir com eles, e principalmente com elas, segui pra ver no que ia dar. Nessas ia se juntando sonhos, vontades e planos pra se chegar em alguma cidade e dar algum jeito. Que sonhadores, eu mais que elas. Vai que a polícia federal estava atrás delas? Fugidas de casa que se não me engano ficava em Rio Verde. Minha nossa, até explicar. Quatro horas da tarde do outro dia a gente desembarcou em Feira de Santana. Meu celular não serviu de merda nenhuma, o Brasil na época tinha coberturas dividas exatamente entre Goiás e Bahia, não era a mesma operadora, então pra ligar da Bahia, pra um celular de Brasília que estava na Bahia era uma fotuna incauculável. Aff, eu na frente com minha mochila, atrás a que tirei pra Maria Bonita de dezesseis com a mochila dela, depois a de quinze levando minha viola, mais atrás a de dezessete e no fim a de catorze que não simpatizou nenhum pouco comigo e ainda por cima morria de ciúmes da de dezesseis. Eu era mesmo um louco. Aquilo chamava mais atenção que a Ivete Sangalo...
(continua)
O cruzeiro do sul XI - Constelações, arquipélagos e nuvens

Nenhum comentário:

Postar um comentário