domingo, 6 de setembro de 2015

O cruzeiro do sul VI - De água, por água, pra água.

Era por volta de 2004 depois de Cristo, o carro parado na GO, cada um num canto mijando, o céu com uma quantidade absurda de estrelas que brilhavam intensificadas pela lua nova. Olhei um pouco para o céu, puxando já o zíper pra cima e pensei: “acho que tá na hora de voltar”. Não sabia me explicar o porquê pensava aquilo. Porque pensei aquilo? Estava mesmo na hora? Não era algo que se pensasse num instante esquecesse logo. Eu tinha que concluir algo e acabava de pensar como se já tivesse concluído. O que resta agora? Voltar pra casa? Arranjar um emprego, uma mulher, casar, ter filhos... Não poderia voltar agora, nada aconteceu pra que eu voltasse. Eu não tinha vencido na vida, acumulado riqueza, tirado a sorte grande, ou mesmo estaria voltando com bons planos e ambições, mas sabia que era a hora de voltar. 
Os sentimentos dali pra frente começam a se tornar cada vez mais melancólicos e a certeza de que o que restaria era só tédio e monotonia trazia dias mais cinzas. Ficava vendo a chuva da tarde na janela durante as raras chuvas de Goiás. Batia uma saudade da minha mãe, dos meus irmãos e da vida que eu levava lá no sul. Muito diferente daquela ali, que eu mesmo escolhi por minha própria vontade. No entanto aquilo não me deprimia a ponto de entristecer, apenas me deixava fixo, no chão, quase cético. 
O dia amanheceu vermelho como sangue, o calor do cerrado iria me cozinhar mais doze horas. A estrada muitas vezes é uma linguagem, se você tiver atento aos detalhes, poderá ver a vida acontecendo. Cachoeira Dourada fica pro lado de Minas Gerais. O vai e vem é constante no trecho da rodovia 154 que liga os dois estados, Minas Gerais e Goiás, uma rodovia onde circula muitos caminhões no entanto nesse dia por algum motivo a rodovia em certo ponto ficou vazia. Não vinha nenhum veículo, tampouco algum nos seguia. Depois de um breve silêncio ouviu-se um barulho vindo da roda esquerda traseira, eu estava atrás no lado direito, e após o Amilton reduzir o carro pra parar e ver o que houve, outro estouro o fez perder o controle do carro, ele puxou o freio de mão, mas o carro rodou na pista como um LP e foi de ré na ribanceira de uns dois metros abaixo.
Agora eu não poderia mais negar e nem fugir daquilo, era a hora de voltar. Porque muitas vezes eu negava minha intuição? Eu estaria renegando a mim mesmo. Eu lembrei de uma certa vez que abri um livro por casualidade e li algo que dizia “seus olhos deixarão de ver...para que então voltem a ver” mais de uma vez essa casualidade aconteceu. Fiquei com medo de ficar cego. No fundo sabia bem o que aquilo significava, mas não acreditava, ou talvez acreditasse e queria já voltar a ver. Enfim, isso já tá escrito ou eu posso escrever?
Catalão com destino a Porto Alegre às 23 horas box 4. Rodoviárias me deixam com frio na barriga e eu nunca consigo descrever se isso são bons ou maus presságios. Viravoltas são constantes na vida de quem vive pela a aventura, mas bom que não precisasse daquilo. Um adeus, um até logo, ou o pior, um até nunca mais... Nossa como isso me corta o coração. Queria levar todos comigo sempre, queria poder vê-los sempre. Mas sabia que ninguém pode nos dar certeza de nada nessa vida. Talvez dali pra frente a vida realmente começaria, eu agora teria me desprendido por inteiro, só não tinha me dado conta. Ali eu estava amadurecendo em questão de um minuto, o que passei durante aqueles quatro anos. Seriam esses os momentos mágicos, que te fazem se desligar daquilo que até então era tesouro para receber em troca o teu dever, aquilo que tu não podes deixar de cumprir, a vida que precisas começar? Uma piada é sempre uma boa maneira de disfarçar um nó na garganta.

O cruzeiro do sul VI - De água, por água, pra água.

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