quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O cruzeiro do sul V - Conexão Paralela

Eu e o Elemilton estávamos no pátio da igreja que fica no alto de um monte, em Catalão. A gente conversava sobre como seria aquele lugar dali uns cem anos. Se aquele lugar existiria dali a cem anos. O planalto central é um lindo mar que oscila entre o verde e o marrom. No fim de tarde acrescenta-se uns dois ou três tons de vermelho e lá vem o paraíso. É, qualquer lugar nesse planeta é um paraíso. Sim, porque o próprio planeta o é. Além do mais o que é um paraíso sem a fotografia?Quando se está no momento e situação propícia ele se mostra. Rum e coca-cola eu lembrava que era bom, do tempo que eu bebia antes de ter parado de beber. Depois de quase quatro anos sem beber eu aceitei o convite do China pra uma festa de aniversário da mina que ele estava pegando lá em Goiânia. “Bota uma roupa aí gaúcho, a gente vai numa festa hoje.” Num momento eu estou ali tomando uma coca-cola sem saber por que não bebia mais. Quem era eu pra não beber mais? Vinte e poucos anos, cabeça mil graus, e quatro caixas d’água com gelo e muita cerveja espalhadas pelo quintal da casa. No outro eu estava de bigode, pelado, no chão do quarto. Cheiro bom é tudo, vai dizer. Atalhei no primeiro copo. O olhar era tudo que eu lembrava, agateado e malicioso sem ser vulgar. De deixar o cara de pau duro. O resto era o resto. Eles riam querendo saber se eu estava inteiro. Como não ia estar? Uma gata daquelas... Meu deus, eu estava recomposto. Bonita a “manquinha”? Rapaz, cheio de buraco naquele quintal eu ia notar alguma coisa. Elemilton se finou. Servi outro copo já derramando um pouco de rum e toquei outra música. Um fumo da massa não se achava muito fácil por ali, mas pra quem fazia o trabalho que a gente fazia aquilo era moleza. Era tudo que se podia exigir com coerência ali naquele lugar. Um amigo pra conversar, um violão, um beck e uma bebida pra esquentar a voz. Às vezes era um marasmo, mas sempre a gente inventava uma maneira de descontrair e relaxar a mente. Eu já tinha estado em Catalão no ano anterior, depois fui pra Goiânia, Brasília, depois me perdi na Bahia, voltei pra Brasília e então estava de volta lá. Contei o porquê fui pra Goiânia.
Mais cedo que o normal Amilton se levanta pra ir buscar o Barbosinha na rodoviária. "O cara é gente boa, vocês vão gostar dele." "Sempre trabalhou certinho". “Só é um pouco louco. Hahaha?” Não gostei nada daquilo. Era no tempo que o Acústico Capital Inicial bombava. Eu sempre tocava aquela música "O mundo" que tinha muito a ver com tudo aquilo que se passava. Acho que o Barbosinha entendia: "VOU falar que você não é nada, VOU falar que você usa drogas... que anda bebendo está perdido" ao invés de "VÃO falar". Ele entrava numas paranóias do nada. Na primeira que o Amilton viajou à Itumbiara e por lá pousou ele deslanchou. Eu assistindo tevê, o Ninha dormindo, o Barbosa chega já bem alterado põe a cara na janela e começa a falar umas bobagens, eu levantei e fui até a janela pra entender o que ele dizia. Não aturo tapa na cara de ninguém, se eu não revidasse ia o quê depois? Fazer-me de saco de pancadas? Não mesmo, meti um tapão também.  Até no reflexo foi, se eu pensasse bem um cara alcoolizado sempre se torna o valentão que não é, daí já viu. Correu até a porta dos fundos e entrou na sala como se nadasse no ar, distribuindo braçadas, tapas e socos. Uns dez ele errou, dois eu defendi e depois de derrubar ele no chão ele olhou pra uma faca em cima da mesinha da sala. Não ia adiantar eu continuar ali me desculpando, tentando de longe convencer ele aquietar o facho. Já eram quatro horas da manhã, mil litros de álcool no cérebro, maconha, cocaína, não sei mais o que ele havia usado e uma faca na mão. Atrás de mim ele correu uns dois quarteirões até parar e de longe me pedir pra voltar. Começou a chorar e se desculpar. Eu tentei então me aproximar, mas daí ele voltou a ficar irado. Lá vai mais uma volta na quadra correndo com aquele doente me seguindo e gritando. “Vou te matar”. Acho que a polícia do Goiás é a mais cética do mundo. O Ninha ligou pra eles e só então que na última maratona que, já na avenida onde ficava nossa casa, eu notei os policiais e o Ninha assistindo a cena. Porra, engraçado eu sei, mas me façam o favor né? Enfim, se ele não vai pra Goiânia, vou eu. Amilton implorou e no fim disse que o próprio Euclides não queria ele lá. “Imagina, o Barbosinha aqui. Deus que me livre e guarde.” Duas semanas depois, Amilton, Barbosa, Ninha, e Lora se foram a Goiânia buscar produtos. Churrasco e cerveja já era de se esperar, só o que não se esperava era o vendedor recém chegado ter dito uma besteirinha que o Barbosinha já meio chumbado entendeu errado. Num relance vi a mesa que estavam os dois voar e o vendedor novo sair correndo. Barbosinha junta a faca e sai correndo atrás. Barbosinhaaaaa... Não!


O cruzeiro do sul V - Conexão Paralela

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